Todas as decisões têm consequências, boas ou más. Infelizmente, em matéria económica, ao longo da sua história Portugal tem tomado muitas decisões erradas. Uma delas foi a privatização do Banco de Fomento e Exterior (BFE), em 2001, pelo Governo de António Guterres. Hoje, o BFE seria de uma enorme utilidade.
A Alemanha está a responder à crise como sempre o faz: identifica o problema, define as soluções e escolhe os instrumentos através dos quais deverá atuar. No caso da pandemia pelo coronavirus e o seu impacto económico, o governo alemão tomou de imediato consciência da gravíssima crise de tesouraria que está a atingir milhares de pequenas e médias empresas germânicas, pelo que necessitam de ajuda imediata. Criou um pacote de 750 mil milhões de euros para combater esse pesadelo e financiar todo o seu tecido produtivo, pequenas, grandes e médias empresas. E passou por cima da banca comercial, centralizando a gestão desse processo no banco público de investimento, o que aligeira os procedimentos, alivia a carga burocrática e facilita a vida a todas as empresas que tem necessidade de recorrer a estes financiamentos.
E por cá? Pois, por cá, o Presidente da República faz uma reunião com os presidentes dos cinco maiores bancos para os sensibilizar para a necessidade de apoiar o tecido produtivo e eles dizem-lhe que sim, claro, fazem um comunicado a garantir que o que mais querem é apoiar a economia portuguesa mas depois, na prática, como não são a Santa Casa da Misericórdia, as taxas de juro que cobram andam entre os três e os quatro por cento (porque, dizem, só o Estado aplica uma taxa de 1,75% para os empréstimos a quatro anos) , necessitam de garantias pessoais dos empresários e se não disponibilizam o dinheiro mais rapidamente é porque o Estado demora até 60 dias para dar o aval a esses empréstimos.
Tudo seria muito mais fácil se houvesse um banco público de investimento. Aliás, é muito curioso que em Fevereiro deste ano, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, tenha afirmado (ainda não existia esta pandemia na Europa) que “Não temos, em Portugal, um banco de fomento e isso passa a ser absolutamente crítico nos próximos tempos. E isto porque a banca encontra-se “tão constrangida”, com regras “muito exigentes” ao nível da concessão de crédito, que existe “imensa dificuldade” em fazer com que o crédito chegue às necessidades de investimento das empresas.
Ora um banco público estatal, virado para financiar projetos de investimento e não para operações comerciais de curto/médio prazo, seria o ideal para responder à atual situação. O que é lamentável é que Portugal já teve uma instituição assim, o Banco de Fomento e Exterior, um banco altamente prestigiado mas que na fúria de privatizações que dominou a Europa desde os anos 80 acabou por ser vendido ao BPI em 2001, tendo obviamente desaparecido.
Portugal ficou assim sem um banco de investimento estatal. A Caixa Geral de Depósitos é um banco público, mas comercial. Concorre com os outros bancos na captação de clientes, na concessão de crédito às empresas, mas não é um banco de investimento. A necessidade tornou-se tão óbvia que em 2013, mesmo um governo tão liberal como o de Pedro Passos Coelho decidiu avançar para a criação de uma instituição financeira de desenvolvimento para gerir fundos do Banco Europeu de Investimento e outras instituições financeiras, bem como reembolsos associados aos diferentes períodos de programação dos fundos comunitários. Contudo, talvez pela forte marca ideológica do Governo, avesso a tudo o que fosse estatal, o certo é que nunca existiu vontade política suficiente para fazer vingar esse novo banco de investimento, que acabou por morrer sem deixar qualquer rasto.
E assim, chegados aqui, temos de andar a mendigar a bancos privados para ver se se despacham a fazer chegar o dinheiro dos fundos públicos à economia, se não podem por favor assumir também parte dos riscos dos empréstimos, se não cobram taxas de juro demasiado elevadas e se não pedem muitas garantias pessoais a quem emprestam o dinheiro. Pois, era bastante mais fácil se houvesse um banco público de investimento, não era? Pois era. Mas normalmente só nos lembramos de Santa Bárbara quando troveja.
Jornalista especializado em assuntos económicos, foi diretor-adjunto do semanário Expresso e coapresentador do Expresso da Meia-Noite, transmitido na SIC Notícias.
Publicou seis livros, um de crónicas económicas e cinco de poesia, quatro dos quais em co-autoria com António Costa Silva. É um leitor compulsivo, adora jogar xadrez e diz poesia com uma banda de jazz desde 2006.
É o atual presidente do Conselho de Administração da Agência Lusa.
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